5.4.08

A Fé de Tony Blair


Concorde-se ou não, o discurso sobre «Fé e Globalização» proferido por Tony Blair perante 1.600 pessoas (no passado dia 3, na Catedral de Westminster) merece ser lido – porque é claro, programático e por vir de quem vem (*).

Esqueçamos por um momento (na medida do possível...) que se trata do amigo de Bush, do seu mais entusiástico apoiante na questão da guerra do Iraque, ponhamos entre parêntesis muitas outras coisas. Aceitemos o facto de estarmos a ouvir um recém-convertido ao catolicismo, que, aparentemente, tem um projecto pessoal de uma nova cruzada, versão século XXI – se não para converter, pelo menos para conviver.

Blair vai criar uma Fundação destinada a este seu projecto (fala dela no discurso) e vai leccionar a matéria na Universidade de Yale.

De uma forma muito sucinta, julgo que os três extractos que se seguem podem resumir o essencial do que está na base das suas convicções:

«A fé religiosa é algo de bom, que, longe de ser uma força reaccionária, tem um papel fundamental para moldar os valores que guiam o mundo moderno e pode, e deve, ser uma força para o progresso.»

«A fé corrige, de um modo necessário e vital, a tendência que o género humano tem para o relativismo.»

«Se a fé ocupar o lugar que lhe é devido, podemos viver com um objectivo que está para além de nós, ajudando a humanidade no caminho para a sua realização», (...) «a fé pode transformar e humanizar as forças interpessoais da globalização».


Isto vai bem mais longe, segundo me parece, do que a importância dada à convivência entre as diferentes religiões, que preconiza, por exemplo, a Alliance of Civilizations. Aqui é à própria fé - e não tanto ao diálogo - que é dado o papel decisivo, na medida em que é suposto que ela molde e transforme o homem e, como consequência, «as forças interpessoais da globalização».


Por muitas razões que tenho vindo a apontar neste blogue, por exemplo aqui e aqui, e que não vou repetir, discordo frontalmente deste tipo de aproximação e não acredito minimamente na sua eficácia.

Continuo a pensar que «pôr a religião a desempenhar o papel principal nos assuntos mundiais é como tentar apagar um fogo com gasolina» – como disse Terry Sanderson, representante de uma denominada Sociedade Nacional Secular, precisamente a propósito deste discurso de Tony Blair.

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(*) O discurso pode ser visto, na íntegra, aqui ou lido aqui.

Sans regrets

Ando para aí a pregar francofilias e há muito tempo que não ponho música francesa.

Nesta bela manhã de Sábado, Edith Piaf e o seu «Je ne regrette rien».
(Apetece-me acrescentar : «Moi non plus».)

4.4.08

«I have a dream»

Martin Luther King foi assassinado em Memphis, em 4 de Abril de 1968.

Neste vídeo, na íntegra, o célebre discurso I have a dream, que proferiu em Washington, em 28 de Agosto de 1963.




Muitas referências a este aniversário em todo o mundo, por exemplo, testemunhos de quatro sobreviventes que estiveram com MLK no dia em que foi assassinado.

E, também e inevitavelmente, comparações entre os tempos de L. King e os de Barack Obama.

3.4.08

Puro humor?

ACTUALIZADO com este contributo publicado aqui.
(Obrigada, Pedro.)



















© rabiscos vieira


Foi através deste post que cheguei ao Câmara de Comuns. É feio dizer mal de «colegas» da blogosfera, mas não resisto - e habituem-se!

Tudo o que se possa ter escrito sobre problemas da educação em Portugal pode ser substituído pela análise da utilização da língua portuguesa neste blogue criado por 28-deputados-28.

O texto que se segue é um parágrafo (completo) do mais recente post que lá encontrei:
«a JS tem uma relação assim tão boa com o Governo e com o Partido Socialista, inclusivé Grupo Parlamentar, imaginamos que, por inerência, boa capacidade de influência!»

Um outro, um pouco mais abaixo:
«A proporção que o incidente da escola carolina micaelis, como qualquer outra novidade, deixa sempre a sua onda.»

Será a brincar? Se for, digam já, please...
É que já tive uma insónia só por pensar Vossas Excelências andam a discutir e a ESCREVER os textos das leis da nossa República.

Mandem-lhe o vídeo do Carolina Michaëlis

2.4.08

Viver em Praga, depois de 68















Maria (nome fictício) viveu cinco anos na Checoslováquia. Conhecemo-nos pouco depois do 25 de Abril, não nos vemos há muitos anos, reencontrámo-nos porque ela descobriu este blogue.

Pedi-lhe um testemunho sobre a sua experiência de vida naquele país. Aqui fica, extraído de um longo mail, depois de omitidas algumas passagens de carácter muito pessoal.

Sem comentários. Esta história, contada com tanta simplicidade, fala mais alto do que revisões de matérias que, infelizmente, todos conhecemos demasiado bem.


«Cheguei a Praga com 17 anos, em Julho de 1969, naturalmente entusiasmada com a ideia de ir viver num país socialista.

Levaram-me para um hotel luxuoso situado no centro da cidade. Nunca vira nada de semelhante e, perante o meu espanto, explicaram-me que era assim que recebiam as entidades políticas estrangeiras importantes e as suas famílias.

Desconhecia, por completo, o que se tinha passado em 1968 e ninguém me falou então do assunto.

Integrada num grupo de estudantes de várias nacionalidades, fui para uma espécie de palácio, em regime de internato, para participar num curso intensivo de checo. Só podíamos sair uma vez por semana, mas foi durante essas saídas que conheci jovens checos.

Foi também então que começaram as surpresas. Eu que, em Portugal, tinha participado em manifestações contra a guerra do Vietname e contra os Estados Unidos, fui encontrar ali, num país dito socialista, pessoas da minha idade que só pensavam em fugir para qualquer parte e que adoravam os americanos.

Contaram-me então o que se passara um ano antes. Havia uma tristeza e uma revolta enormes em relação à invasão russa cujas marcas nas fachadas da Praça Venceslau eram bem visíveis – e sê-lo-iam por muito tempo.

Eu tentava falar-lhes da nossa ditadura, da falta de liberdade, das prisões, mas explicavam-me que lá era igual.

Para mim, tudo isto foi muito dramático, mas, quando tentei discutir o assunto com quem de direito, foi-me dito que não podia ter opinião nem meter-me "onde não era chamada".

Durante cinco anos, vivi na cidade mais linda da Europa com um povo fantástico, uma cultura geral impressionante, aprendi a gostar de música clássica, de teatro, de museus, de história e, sobretudo, a NÃO querer aquele socialismo para Portugal.

Tudo isto é muito pessoal, muito emocional e pouco político, mas foi a experiência do fim da minha adolescência, toda ela feita de descoberta de contradições – e de muitas mentiras.»

Blogueiras (2)

A pedido de várias famílias, ponho «no ar» a gravação da conversa tida no RCP, no passado dia 31, em que as entrevistadas por Ana Sousa Dias foram a Shyz e eu.

Em 2008, sobre 68















Quatro pequenos vídeos (clicar nas citações para ver).

De Daniel Cohn-Bendit :

«Socialement et culturellement on a gagné»

«Tour ce qui va mal aujourd’hui, c’est la faute à 68»


De Erri de Luca:

«68 a été une année de départ»

«C’était le sentiment d’une égalité parfaite»

1.4.08

Blogueiras

A Shyz já contou, mas eu reforço. Foi uma «honra» inaugurar ontem, no Rádio Clube Português, a nova rubrica sobre blogosfera do programa «Janela Aberta».

Com a Ana Sousa Dias como entrevistadora e a Shyz como parceira, era, à partida, uma actividade de risco zero e prazer garantido.

Gralhas como somos ambas, podíamos lá ter estado pelo menos umas dez horas...

Água benta

Com a estreia da Palmira Silva no 5 Dias, isto vai animar.

Colóquio sobre Maio 68



MAIO' 68
POLÍTICA * TEORIA * HISTÓRIA


Colóquio Internacional
Lisboa, 11 e 12 de Abril de 2008
Instituto Franco-Português
Av. Luís Bívar, 91 METRO: São Sebastião - Campo Pequeno.

Tradução Simultânea
Entrada Livre
Mais informações: lisboa1968@gmail.com (+351) 213111468

Organização:
Instituto Franco-Português
Instituto de História Contemporânea
Le monde diplomatique – edição portuguesa

Apoios: FCT Fábrica de Braço de Prata Goethe Institut Antígona

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Maio de 1968. Em Paris anuncia-se o início de uma luta prolongada. Quatro décadas depois, este colóquio internacional reúne um conjunto de reputados intelectuais cujas investigações permitiram voltar a olhar para 1968 nas suas mais variadas dimensões. Levando o debate mais além das repetidas alusões ao cariz geracional e estudantil da revolta, mapeando 1968 para lá das fronteiras da França, o colóquio confronta a importância de 1968 na emergência de novas subjectividades políticas, analisa a dimensão de luta de classes que atravessa o período e discute a persistência de Maio'68 nos conflitos políticos contemporâneos.
Os coordenadores,

Bruno Peixe (NÚMENA)
Luís Trindade (IHC-UNL/U.Birkbeck)
José Neves (ICS-UL)
Ricardo Noronha (IHC-UNL)
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PROGRAMA

11 DE ABRIL
9h30
Sessão de Abertura

10h Maio no Mundo
Fernando Rosas
Teses sobre a geração dos anos 60 em Portugal e a questão da hegemonia

Gerd-Rainer Horn
Um conto das duas europas

Manuel Villaverde Cabral
Maio de '68 como revolução cultural

14h30 Ideias de Maio
Anselm Jappe
Maio de 68, do «assalto aos céus» ao capitalismo em rede. O papel dos situacionistas

Daniel Bensaid
Como será possível pensar que se possa quebrar o ciclo vicioso (da dominação)

Judith Revel
1968, o fim do intelectual sartriano


12 DE ABRIL
10h Maio em Movimento

Maud Bracker
Participação, encontro, memória: os imigrantes e o Maio de 68

João Bernardo
Estudantes ou trabalhadores?

Franco Berardi (Bifo)
68 e a génese do cognitariado


14h30 O Outro Movimento Operário

Xavier Vigna
As greves operárias em França em 1968

Yann Moulier Boutang
Maio de 68, herança por reclamar na divisão de perdidos e achados da História

John Holloway
1968 e a crise do trabalho abstracto


18h 1968 - 2008

Bruno Bosteels
A revolução da vergonha

François Cusset
Os embalsamadores e os coveiros


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RESUMO DAS COMUNICAÇÕES

Teses sobre a geração dos anos 60 em Portugal e a questão da hegemonia
Fernando Rosas
Pretende-se discutir o papel que o "Maio de 68" em Portugal, ou seja, a contestação estudantil de 1969, desempenhou na radicalização da luta política em geral e na alteração das relações de hegemonia em favor das mundivisões marxizantes e revolucionárias na sociedade portuguesa da época.
Fernando Rosas, Historiador, Professor catedrático da FCSH da Universidade Nova de Lisboa. Autor de bibliografia sobre a História do séc. XX em geral e a História do Estado Novo português em particular.

Um conto de duas Europas
Gerd-Rainer Horn
Em quase todo o lado o meio estudantil universitário serviu de catalisador para "1968", e isto será exemplificado com um breve olhar sobre as origens do 1968 Belga. Contudo, podemos distinguir dois padrões bem distintos na Europa Ocidental e nos Estados Unidos em 1968. Na "Europa do Norte" e nos Estados Unidos, 1968 representou sobretudo uma série de movimentos sociais de base estudantil. Na "Europa do Sul", 1968 foi muito mais transclassista, com a classe operária a assumir um papel proeminente.
Gerd Rainer Horn ensina no departamento de Hiatória da Universidade de Warwick e escreveu The Spirit of '68.

Maio de '68 como revolução cultural
Manuel Villaverde Cabral
Testemunho pessoal sobre o momento mais alto de um movimento social internacional que não queria o poder, mas que nem por isso – ou talvez por isso – deixou de mudar o mundo.
Manuel Villaverde Cabral nasceu em 1940. Fugiu à PIDE em 1963, indo para Paris onde trabalhou e estudou. Voltou a Portugal em 1974, ingressou na carreira docente no ISCTE, entrou para o antigo Gabinete de Investigações Sociais em 1975, passando para a carreira de investigação quando foi criado o Instituto de Ciências Sociais na Universidade de Lisboa em 1982. Foi Director da Biblioteca Nacional entre 1985 e 1990.

Maio de 68: do «assalto ao céu» ao capitalismo em rede. O papel dos situacionistas
Anselm Jappe
Começaremos por abordar a questão de saber qual foi a «influência» dos situacionistas em Maio de 68 bem como na sua preparação, opondo a outros movimento políticos e intelectuais mais visíveis da época a sua própria agitação subterrânea. Sublinharemos de seguida que Maio de 68 constituiu simultaneamente um esforço de emancipação mas também o início da passagem para uma nova forma mais subtil de dominação capitalista. Neste contexto, recorreremos às ideias de Guy Debord para compreender esta evolução tirando daí algumas consequências.
Anselm Jappe ensina estética na Escola de Belas Artes de Frosinone (Itália). É autor de Guy Debord (edíção portuguesa da Antígona prevista para 2008) e As aventuras da mercadoria. Para uma nova crítica do valor.


Lançamento do livro Guy Debord, pela Editora Antígona
12 de Abril 21h30
Fábrica de Braço de Prata
Apresentação por Ricardo Noronha


«Como será possível pensar que se possa quebrar o ciclo vicioso [da dominação]?»
Daniel Bensaïd
Era esta a questão colocada, logo em 1964, por Herbert Marcuse, em L'homme unidimensionnel, e que assolava a sua época. A exuberância dos acontecimentos de Maio terá significado um princípio de resposta à questão ou confirmado, pelo contrário, o fecho daquele ciclo vicioso, como parece indicar a evolução posterior da obra de Debord ou de Baudrillard: depois do espectáculo, estado supremo do fetichismo da mercadoria, o simulacro, estado supremo do espectáculo?
Daniel Bensaïd é Professor de Filosofia na Universidade de Paris VIII (Vincennes) e dirigente da Ligue Communiste Révolutionnaire (IV Internacional). Participante no movimento estudantil em Maio de 1968, é autor, entre outras, das seguintes obras: Mai 1968: Une répétition générale (1968), Walter Benjamin sentinelle messianique (1990), Marx l'intempestif : Grandeurs et misres d'une aventure critique (1996).

1968: o fim do intelectual sartriano
Judith Revel
1968 não constitui apenas o levantamento de uma geração que não quer mais viver de forma semelhante à dos seus pais, alimentando-se da mesma memória – de Vichy, das guerras coloniais – e reconhecendo-lhe os valores. Constitui também uma outra forma de conceber a tomada da palavra e a acção colectiva, os modos de intervenção política e os processos de subjectivação. Nesta grande transição de uma época à outra, a própria função dos intelectuais vê-se profundamente redefinida: o modelo sartriano de envolvimento político cede pouco a pouco o lugar a uma outra figura que, por seu turno, implica já uma análise diferente das relações de poder e do papel do conhecimento, da função das lutas e dos usos colectivos da palavra. De Sartre a Foucault, trata-se pois de uma passagem de testemunho em forma de ruptura – que quarenta anos depois não deixa de suscitar mal-entendidos.
Judith Revel, filósofa, italianista e tradutora, docente (maître de conférences) na Universidade de Paris-I Sorbonne. Especialista em pensamento contemporâneo, particularmente no de Michel Foucault, a quem consagrou numerosos livros e artigos, trabalha actualmente sobre as categorias políticas anteriores e posteriores a 1968. Integra a redacção das revistas Posse (em Itália) e Multitudes (em França), e o gabinete científico do Centre Michel Foucault. Membro da equipa de investigação ANR «La bibliothéque foucaldienne. Michel Foucault au travail" (CNRS-ENS-EHESS).

Participação, encontro, memória: os imigrantes e o Maio de 68
Maud Bracker
Esta comunicação debruça-se sobre alguns dos modos pelos quais os principais grupos que encabeçaram o Maio de 68 em França – estudantes, intelectuais, sindicalistas – tentaram compreender a emergência do mundo pós-colonial, e integraram essa passagem ao pós-colonialismo na sua oposição ao capitalismo. Contudo, as teorias e a acção em solidariedade com os trabalhadores imigrantes que se desenvolveram durante e após 1968 herdaram das formas mais antigas do anti-imperialismo marxista europeu alguns dilemas não-resolvidos.
Maud Bracke dá aulas de História Moderna Europeia na Universidade de Glasgow. É autora de Which socialism, whose détente? West European communism and the Czechoslovak crisis of 1968.

Estudantes ou trabalhadores?
João Bernardo
Será paradoxal que os participantes num movimento que jornalistas e historiadores insistem em classificar como estudantil colocassem principalmente problemas políticos e sociais relativos à classe trabalhadora? O desenvolvimento do capitalismo, com as pressões ao aumento da produtividade e com a necessidade de qualificar a força de trabalho, converteu universidades de elite em universidades de massa e transformou a maioria dos estudantes universitários em futuros trabalhadores.
João Bernardo é doutor pela Unicamp (Brasil). Em 1965 foi expulso por oito anos de todas as universidades portuguesas. Desde 1984 tem leccionado como professor convidado em universidades públicas brasileiras. É autor de numerosos artigos e livros.

1968 e a génese do Cognitariado
Franco Berardi (Bifo)
O movimento de 1968 representa o efeito da escolarização de massas e a primeira manifestação política da emergência do cognitariado, classe do trabalho cognitivo, composição social que se tornou predominante no final do século, com a difusão da rede.
Rádios piratas, cibercultura, net-art, são as manifestações sucessivas do trabalho cognitivo em busca da sua própria autonomia. Só reencontrando o fio (actualmente submerso) da revolta de sessenta e oito poderá o trabalho cognitivo empreender um processo de recomposição e autonomia.
Franco Berardi (Bifo), militante do Potere Operaio nos anos 60, redactor da Radio Alice em 1976 e fundador da revista A/traverso. Autor de Contro il lavoro, Mutazione Ciberpunk e Felix. Colabora actualmente com a revista on-line www.Rekombinant.org, ensina em Bologna numa escola para trabalhadores emigrantes e em Milão na Accademia di Belle Arti.

As greves operárias em França em 1968
Xavier Vigna
O movimento de Maio e Junho de 1968 em França constitui o mais importante fenómeno grevista de toda a história do país. Alarga-se a todo o território e mobiliza também operários de que até então não se falava: os jovens, as mulheres, os imigrantes. Retoma um vigoroso repertório de acções e levanta questões que não encontraram ainda resposta quando finalmente se retoma o trabalho em Junho de 1968. Nessa medida, o movimento grevista de Maio-Junho de 1968 constitui um evento que inaugura um período de dez anos de insubordinação operária: a década de 68.
Xavier Vigna, docente (maître de conférences) em história contemporânea na Universidade de Bourgogne, trabalha sobre a conflituosidade social e política na segunda metade do século XX. Publicou recentemente L'insubordination ouvrière dans les années 68. Essai d'histoire politique des usines.

Maio de 68, herança por reclamar na divisão de perdidos e achados da História
Yann Moulier Boutang
Começou por ser grande o interesse na recuperação de Maio de 68, depois na sua liquidação. Abordaremos aqui um ponto de vista radicalmente diferente relativamente ao qual trataremos dois aspectos: 1) Que foi realmente Maio de 68? Canto do cisne do movimento operário, outro movimento operário, proclamação oculta do verdadeiro sujeito da renovação radical do capitalismo? 2) Qual o legado não reclamado mas efectivo de Maio de 1968? Concluímos que o evento foi e continua a ser critério de demarcação entre duas fases, embora não necessariamente do modo condensado pelas diferentes cristalizações fantasmáticas que gerou e continua a produzir.
Director da Redacção da revista Multitudes. Professor universitário de ciências económicas (Universidade de Tecnologia de Compiègne e Escolas de Arte e Design de Saint Etienne).

1968 e a Crise do Trabalho Abstracto
John Holloway
1968 tornou evidente que a crise do trabalho é a crise do capital, que a luta contra o trabalho é a chave da luta contra o capital. Em 1968, o fazer fendeu o trabalho e transbordou. Falar hoje de 1968 não é falar de um legado histórico, mas sim das reverberações causadas por essa fissão.
John Holloway é professor na Universidade Benemérita de Puebla, no México. É autor de vários livros, publicados em vários países, o mais recente dos quais, Mudar o Mundo sem Tomar o Poder.

A revolução da vergonha
Bruno Bosteels
Partindo do famoso poema de Octavio Paz, publicado pouco depois do massacre de Tlatelolco no México em 2 de Outubro de 1968, poema inspirado nas cartas de Karl Marx ao seu amigo Arnold Ruge, discutirei o destino da esquerda no período posterior a 1968 em termos de vergonha e de melancolia, de coragem e de justiça. Não é apenas Sarkozy e os seus acólitos pseudo-intelectuais que pretendem acabar com o legado de 1968; na realidade, semelhante legado vê-se igualmente corroído a partir do seu interior por uma forte tendência de negação, a favor de um certo recuo do político, que se proclama mais radical que qualquer noção de revolucionarização da vergonha.
Bruno Bosteels é Professor Associado de estudos românicos na Universidade de Cornell. É autor dos livros Alain Badiou o el recomienzo del materialismo dialéctico e Badiou and Politics.

Os embalsamadores e os coveiros
François Cusset
No quadro da vastíssima bibliografia que 'explica' ou 'comemora' Maio de 68, a interpretação de esquerda, que lhe imputa o liberalismo da década de 1980, e a interpretação de direita, que o acusa de ter minado a autoridade e os valores, partilham entre si uma vontade intransigente de liquidar o movimento de Maio, denegando-lhe a dimensão de acontecimento, a sua actualidade intacta, em proveito de uma causalidade de carácter retrospectivo muito contestável. Embalsamadores de esquerda e coveiros de direita do Maio de 68 trabalham assim ombro a ombro para substituir a irrupção possível do comum pela impotência colectiva.
François Cusset, que ensina história intelectual em Sciences-Po-Paris e na Universidade de Columbia em França, é autor de Queer Critics, Frenche Theory e La Décennie. Em Maio de 2008 publica na editora Actes Sud um panfleto contras as mentiras históricas sobre 68, L'avenir d'une irruption.

31.3.08

Já agora

Também me apetece ouvir mas vou, naturalmente, para os primórdios...

Era Primavera, em Praga


Há quarenta anos, a Checoslováquia vivia o seu momento de euforia.

Março foi um mês importante em que a censura foi parcialmente abolida.
Os estudantes pediam eleições e recordavam frases do grande poeta Vitezslav Nezval (*):

«Quero acordar as consciências dos que não reflectiram»
«Pendurem estes poemas nos escritórios, nas máquinas, nos pára-brisas»
«Hoje, antes que seja demasiado tarde»
«Os tempos são curtos»


E foram de facto curtos, muito curtos, esses tempos de esperança. Iriam acabar brutalmente, em Agosto, com a invasão das tropas do Pacto de Varsóvia.



P.S. - Aqui uma entrevista que Jiri Stransky, escritor, realizador e antigo preso político, deu este mês à Euronews.

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(*) Fonte

O melhor «post» de Domingo

De Zèd, no Peão:

«Governo pede a D. Policarpo que controle o catolicismo de alguns membros do Episcopado.»

30.3.08

Sobre o vídeo holandês – ou nem por isso

Ando atrasada em leituras, só ontem vi o filme do holandês Geert Wilders e só hoje li o que nalguns blogues foi escrito sobre o assunto. Está tudo dito e, no entanto...

Quando entrei há pouco no Arrastão, o post em que Daniel Oliveira comenta o filme já tinha 102 comentários. Ainda li uns tantos, até que parei, extasiada, neste:

«Se é ateu devia abster-se de falar de religião. Porque não se deve falar daquilo que não se percebe. Uma religião não se limita àquilo que está escrito nos livros. Implica um sentimento que um ateu não consegue experimentar e muito menos entender. Um ateu pode ter opinião sobre pessoas religiosas, mas não sobre religiões.»

Total disparate. Além disso, fiquei numa situação esquisita, porque já fui convictamente crente e hoje sou ateia. Ou seja, já «experimentei» e já «entendi» e, por um qualquer processo de estupidificação que me escapou, deixei de poder falar de religião. É mais ou menos isto, não é?

Mas falo. Porque se há coisa que me exaspere, e que veio outra vez para a ordem do dia com esta discussão sobre o vídeo, é o respeito que muitos ateus de pura gema, da raça mais politicamente correcta que imaginar se possa, têm, ou se sentem obrigados a dizer que têm, pelas religiões. Como se destas não tivessem vindo – e não continuassem a vir – pelo menos tantos males como bens para a humanidade. Como se, mais tarde ou mais cedo, todas não tendessem para fanatismos e radicalismos que fazem milhões de vítimas. A História está aí para o mostrar.

Respeito merecem os crentes, não as crenças. Sobretudo os que são vítimas do obscurantismo das hierarquias cristãs, os que se suicidam ou matam em nome do radicalismo no mundo islâmico, os que se deixam morrer por motivos religiosos, miseravelmente, nas margens do Ganges.

O vídeo holandês é horrível? Certamente. Mas não passa de um episódio mais ou menos burlesco. Porque, como diz Rui Bebiano num comentário ao post que ele próprio escreveu sobre este assunto:

«É muito mais grave a subestimação do radicalismo islâmico, ou a invenção desculpabilizante de algumas das razões invocadas para o seu avanço, do que um filme de execrável propaganda racista do qual daqui por uns meses já ninguém se lembrará.»

67-68: Utopias e não só