No Expresso de hoje, um longo texto, violentíssimo, de Miguel Sousa Tavares. Alma caridosa mo enviou por mail, caridosamente aqui fica.
Alguns excertos e na íntegra também.
«Que o trio
formado pelo careca, o etíope e o alemão ignorem que em Portugal se está a
oferecer 650 euros de ordenado a um engenheiro electrotécnico falando três
línguas estrangeiras ou 580 euros a um dentista em horário completo é mais ou
menos compreensível para quem os portugueses são uma abstracção matemática. Mas
que um português, colocado nos altos círculos europeus e instalado nos seus
hábitos, também ache que um dos nossos problemas principais são os ordenados
elevados, já não é admissível. Lembremo-nos disto quando ele por aí vier
candidatar-se a Presidente da República. (…)
Quando um dia se fizer a triste história destes anos de suicídio europeu,
haveremos de perguntar como é que a Europa foi governada e destruída por um
clube fechado de irresponsáveis, sem uma direcção, uma ideia, um projecto
lógico. Como é que se começou por brincar ao directório castigador para com a
Grécia para acabar a fazer implodir tudo em volta. Como é que se conseguiu
levar a Lei de Murphy até ao absoluto, fazendo com que tudo o que podia correr
mal tivesse corrido mal. (…)
Ou como é
que um pequeno país, como Portugal, experimentou uma receita jamais vista — a
de tentar salvar as finanças públicas através da ruína da economia — e que, oh,
espanto, produziu o resultado mais provável: arruinou uma coisa e outra. E como
é que, no final de tudo isto, as periferias implodiram e só o centro — isto é,
a Alemanha e seus satélites — se viu coberto de mercadorias que os seus
parceiros europeus não tinham como comprar e atulhado em triliões de euros
depositados pelos pobres e desesperados e que lhes puderam servir para comprar
tudo, desde as ilhas gregas à água que os portugueses bebiam.
Deixemos os
grandes senhores da Europa entregues à sua irrecuperável estupidez e
detenhamo-nos sobre o nosso pequeno e infeliz exemplo, que nos serve para
perceber que nada aconteceu por acaso, mas sim porque umas vezes a
incompetência foi demasiada e outras a inocência foi de menos. (…)
Tenho muitas
mais ideias, algumas tão ingénuas como estas, mas nenhumas tão prejudiciais
como aquelas com que nos têm governado. A próxima vez que o careca, o etíope e
o alemão cá vierem, estou disponível para tomar um cafezinho com eles no Ritz.
Pago eu, porque não tenho dinheiro para os juros que eles cobram se lhes ficar
a dever.»
NA ÍNTEGRA:
Há alguns incompetentes, mas poucos inocentes
O que
poderemos nós pensar quando, depois de tantos anos a exigir o fim das SCUT,
descobrimos que, afinal, o fim das auto-estradas sem portagens ainda iria
conseguir sair mais caro ao Estado?
Como caixa
de ressonância daqueles que de quem é porta-voz (tendo há muito deixado de ter
voz própria), o presidente da Comissão Europeia, o português Durão Barroso,
veio alinhar-se com os conselhos da troika sobre Portugal: não há outro caminho
que não o de seguir a “solução” da austeridade e acelerar as “reformas
estruturais” — descer os custos salariais, liberalizar mais ainda os
despedimentos e diminuir o alcance do subsídio de desemprego. Que o trio
formado pelo careca, o etíope e o alemão ignorem que em Portugal se está a
oferecer 650 euros de ordenado a um engenheiro electrotécnico falando três
línguas estrangeiras ou 580 euros a um dentista em horário completo é mais ou
menos compreensível para quem os portugueses são uma abstracção matemática. Mas
que um português, colocado nos altos círculos europeus e instalado nos seus
hábitos, também ache que um dos nossos problemas principais são os ordenados
elevados, já não é admissível. Lembremo-nos disto quando ele por aí vier
candidatar-se a Presidente da República.
Durão
Barroso é uma espécie de cata-vento da impotência e incompetência dos
dirigentes europeus. Todas as semanas ele cheira o vento e vira-se para o lado
de onde ele sopra: se os srs. Monti, Draghi, Van Rompuy se mostram vagamente
preocupados com o crescimento e o emprego, lá, no alto do edifício europeu, o
cata-vento aponta a direcção; se, porém, na semana seguinte, os mesmos senhores
mais a srª Merkel repetem que não há vida sem austeridade, recessão e
desemprego, o cata-vento vira 180 graus e passa a indicar a direcção oposta.
Quando um dia se fizer a triste história destes anos de suicídio europeu,
haveremos de perguntar como é que a Europa foi governada e destruída por um
clube fechado de irresponsáveis, sem uma direcção, uma ideia, um projecto
lógico. Como é que se começou por brincar ao directório castigador para com a Grécia
para acabar a fazer implodir tudo em volta. Como é que se conseguiu levar a Lei
de Murphy até ao absoluto, fazendo com que tudo o que podia correr mal tivesse
corrido mal: o contágio do subprime americano na banca europeia, que era
afirmadamente inviável e que estoirou com a Islândia e a Irlanda e colocou a
Inglaterra de joelhos; a falência final da Grécia, submetida a um castigo tão
exemplar e tão inteligente que só lhe restou a alternativa de negociar com as
máfias russas e as Three Gorges chinesas; como é que a tão longamente prevista
explosão da bolha imobiliária espanhola acabou por rebentar na cara dos que
juravam que a Espanha aguentaria isso e muito mais; como é que as agências de
notação, os mercados e a Goldman Sachs puderam livremente atacar a dívida
soberana de todos os Estados europeus, excepto a Alemanha, numa estratégia
concertada de cerco ao euro, que finalmente tornou toda a Europa insolvente. Ou
como é que um pequeno país, como Portugal, experimentou uma receita jamais
vista — a de tentar salvar as finanças públicas através da ruína da economia —
e que, oh, espanto, produziu o resultado mais provável: arruinou uma coisa e
outra. E como é que, no final de tudo isto, as periferias implodiram e só o
centro — isto é, a Alemanha e seus satélites — se viu coberto de mercadorias
que os seus parceiros europeus não tinham como comprar e atulhado em triliões
de euros depositados pelos pobres e desesperados e que lhes puderam servir para
comprar tudo, desde as ilhas gregas à água que os portugueses bebiam.
Deixemos os
grandes senhores da Europa entregues à sua irrecuperável estupidez e
detenhamo-nos sobre o nosso pequeno e infeliz exemplo, que nos serve para
perceber que nada aconteceu por acaso, mas sim porque umas vezes a
incompetência foi demasiada e outras a inocência foi de menos.
O que
podemos nós pensar quando o ex-ministro Teixeira dos Santos ainda consegue
jurar que havia um risco sistémico de contágio se não se nacionalizasse aquele
covil de bandidos do BPN? Será que todo o restante sistema bancário também
assentava na fraude, na evasão fiscal, nos negócios inconfessáveis para amigos,
nos bancos-fantasmas em Cabo Verde para esconder dinheiro e toda a restante
série de traficâncias que de há muito — de há muito! — se sabia existirem no
BPN? E como, com que fundamento, com que ciência, pode continuar a sustentar
que a alternativa de encerrar, pura e simplesmente, aquele vão de escada “faria
recuar a economia 4%”? Ou que era previsível que a conta da nacionalização para
os contribuintes não fosse além dos 700 milhões de euros?
O que
poderemos nós pensar quando descobrimos que à despesa declarada e à dívida
ocultada pelo dr. Jardim ainda há a somar as facturas escondidas debaixo do
tapete, emitidas pelos empreiteiros amigos da “autonomia” e a quem ele prometia
conseguir pagar, assim que os ventos de Lisboa lhe soprassem mais
favoravelmente?
O que
poderemos nós pensar quando, depois de tantos anos a exigir o fim das SCUT,
descobrimos que, afinal, o fim das auto-estradas sem portagens ainda iria conseguir
sair mais caro ao Estado? Como poderíamos adivinhar que havia uns contratos
secretos, escondidos do Tribunal de Contas, em que o Estado garantia aos
concessionários das PPP que ganhariam sempre X sem portagens e X+Y com
portagens? Mas como poderíamos adivinhá-lo se nos dizem sempre que o Estado tem
de recorrer aos serviços de escritórios privados de advocacia (sempre os
mesmos), porque, entre os milhares de juristas dos quadros públicos, não há uma
meia dúzia que consiga redigir um contrato em que o Estado não seja sempre
comido por parvo?
A troika
quer reformas estruturais? Ora, imponha ao Governo que faça uma lei retroactiva
— sim, retroactiva — que declare a nulidade e renegociação de todos os
contratos celebrados pelo Estado com privados em que seja manifesto e
reconhecido pelo Tribunal de Contas que só o Estado assumiu riscos, encaixou
prejuízos sem correspondência com o negócio e fez figura de anjinho. A
Constituição não deixa? Ok, estabeleça-se um imposto extraordinário de 99,9%
sobre os lucros excessivos dos contratos de PPP ou outros celebrados com o
Estado. Eu conheço vários.
Quer outra
reforma, não sei se estrutural ou conjuntural, mas, pelo menos, moral? Obrigue
os bancos a aplicarem todo o dinheiro que vão buscar ao BCE a 1% de juros no
financiamento da economia e das empresas viáveis e não em autocapitalização,
para taparem os buracos dos negócios de favor e de influência que andaram a
financiar aos grupos amigos.
Mais uma? Escrevam uma lei que estabeleça que
todas as empresas de construção civil, que estão paradas por falta de obras e a
despedir às dezenas de milhares, se possam dedicar à recuperação e remodelação
do património urbano, público ou privado, pagando 0% de IRC nessas obras.
Bruxelas não deixa? Deixa a Holanda ter um IRC que atrai para lá a sede das
nossas empresas do PSI-20, mas não nos deixa baixar parte dos impostos às
nossas empresas, numa situação de emergência? OK, Bruxelas que mande então
fechar as empresas e despedir os trabalhadores. Cumpra-se a lei!
Outra?
Proíbam as privatizações feitas segundo o modelo em moda, que consiste em
privatizar a parte das empresas que dá lucro e deixar as “imparidades” a cargo
do Estado: quem quiser comprar leva tudo ou não leva nada. E, já agora, que a
operação financeira seja obrigatoriamente conduzida pela Caixa Geral de
Depósitos (não é para isso que temos um banco público, por enquanto?). O quê, a
Caixa não tem vocação ou aptidão para isso? Não me digam! Então, os
administradores são pagos como privados, fazem negócios com os grandes grupos
privados, até compram acções dos bancos privados e não são capazes de fazer o
que os privados fazem? E, quanto à engenharia jurídica, atenta a reiterada
falta de vocação e de aptidão dos serviços contratados em outsourcing para
defenderem os interesses do cliente Estado, a troika que nos mande uma equipa
de juristas para ensinar como se faz.
Tenho muitas
mais ideias, algumas tão ingénuas como estas, mas nenhumas tão prejudiciais
como aquelas com que nos têm governado. A próxima vez que o careca, o etíope e
o alemão cá vierem, estou disponível para tomar um cafezinho com eles no Ritz.
Pago eu, porque não tenho dinheiro para os juros que eles cobram se lhes ficar
a dever.
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2 comments:
Olá Joana...
ahahah... Acho delicioso estes textos! Não sei... fazem-me rir... Então estas coisas "Lembremo-nos disto quando ele por aí vier candidatar-se a Presidente da República." para quem é que o autor pensa que está a escrever? Decerto não será para os Portugas... Pois se for, então só posso concluir que o autor não faz a mais pequena ideia do que é a MANADA PORTUGA, nem tão pouco de como ela REAGE!!
Mas acho que antes do cherne, desculpa, Durão... Ainda falta o bacano que não sabia fazer contas de percentagens!
De qualquer forma, obrigado pelo texto divertido que aqui replicaste!
Ando a ler sobre a 1ª guerra mundial e agora como então só posso concluir que a Europa sempre foi governada por gente estúpida. Mesmo assim conseguimos evoluir para um estado de conforto muito razoável que agora parece estar a descambar, alguém deve ter feito um bom trabalho pelo caminho... O ser humano é imperfeito, os lideres tb, e cada vez acredito mais que muita gente nem sabe bem o que anda fazer, vai fazendo e vendo o que dá...
Para construir uma sociedade melhor é preciso mentes mais iluminadas, cada vez me convenço mais, que a inteligência humana precisa de evoluir anos luz...
Andreia
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