16.11.17

A lição do futebol italiano



«Itália, estilhaçada pela política tribal, encontrou mais um motivo para ser atendida no divã do doutor Freud. A sua selecção não vai estar no Mundial de futebol. Não é um pesadelo. São todos os círculos do Inferno de Dante juntos.

Este é um daqueles momentos em que os países latinos, mais emocionais do que racionais, se olham ao espelho e julgam que o Apocalipse chegou sem avisar. Itália, que se tem defrontado com todos os males do mundo, descobre agora que o único valor seguro que tinha, o futebol, deixou de ser a almofada onde podia acomodar todos os seus suplícios. Continua a ser uma grande potência económica da Europa, mas a sua influência é diminuta. As suas empresas, outrora gloriosas, são uma miragem. A sua decadência parece a da Argentina, também ela governada por uma elite de raízes italianas. Na selecção há, no entanto, uma diferença: à beira do precipício os argentinos têm Messi; Itália só tem as lágrimas de Buffon.

A decadência de Itália confunde-se com a do seu futebol: o "calcio" já não concorre com a Premier League inglesa ou com a La Liga espanhola. Já não atrai os melhores jogadores. E, pelos vistos, já nem consegue criar talentos que formem uma grande selecção e, pior, uma ideia de jogo. Isso surpreende, porque os italianos chegaram a ser os mestres da táctica. Quem se recorda do AC Milan de Arrigo Sacchi, com Gullit, Van Basten, Rijkaard, Baresi ou Maldini. Eram 11 jogadores a defender e a atacar ao mesmo tempo. Jogavam e ganhavam. Fizeram o caminho de Silvio Berlusconi para o poder em Itália. Nada diferente do futebol de hoje: os projectos e os orçamentos dos clubes dependem das vitórias e dos títulos. Essa é a quimera dos clubes, das selecções, e dos países. O futebol alimenta ilusões. Veja-se Portugal: o Euro 2016 foi mais do que uma vitória futebolística. Simbolizou o fim da era da austeridade. E é o oxigénio de uma indústria que os dirigentes dos clubes insistem em destruir com a sua guerrilha patética. A depressão de Itália poderia servir-lhes de lição.»

Fernando Sobral
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